PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LETRAS
Espaos de represso:
retratos de in/excluso
Livros Grtis
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Milhares de livros grtis para download.
Mary Mrcia Alves
Espaos de represso:
retratos de in/excluso
Tese apresentada ao Programa de Ps
em Letras da Pontifcia Universidade Catlica de
Minas Gerais, como parte dos requisitos para
obteno do grau de Doutor em Literaturas de
Lngua Portuguesa.
Orientadora: Prof. Dr. Ivete Lara
Tese defendida publicamente no Programa de Ps-graduao em Letrasda PUCMINAS e aprovada pela seguinte Comisso Examinadora:
Prof. Dr. Regina Dalcastagn UNB
Prof. Dr. Maria Zilda Ferreira Cury UFMG
Prof. Dr. Elzira Divina Perptua PUC MINAS
Prof. Dr. Maria Nazareth Soares Fonseca PUC MINAS
Prof. Dr. Ivete Lara Camargos Walty Orientadora PUC MINAS
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Ps-graduao.
A meus Professores, em especial.
banca examinadora.
Prof. Ivete, muito em especial.
A meus Anjos da guarda e
A Deus.
SUMRIO
Lista de ilustraes........................................................................
Resumo........................................................................................
Epgrafe........................................................................................
Introduo....................................................................................
PARTE I
CAPTULO 1 Antologias: Mapas e Identidades..........................................
CAPTULO 2 Ambgua Amrica Latina.........................................................
2.1 A identidade em questo.....................................................................2.2Limiares da in/excluso..........................................................................2.3Ir/realidades e re-a-presentaes....................................................................PARTE II
CAPTULO 3 Con/texto e Amrica......................................................3.1 Alegricos.........................................................................3.1.1La composicin del relato.......................................3.1.2 O colecionador desombras ..........................................3.1.3 El lado deafuera .....................................................3.1.4Los lados de la frontera............................................3.2 Realistas........................................................................................................3.2.1Violncia e paixo.........................................................3.2.2Linha do tiro...................................................................3.2.3La perra.........................................................................3.2.4El detector.....................................................................
LISTA DE ILUSTRAES
FIGURA 1 Caleidoscopio (1)...............................................
FIGURA Parte I Amrica Latina via satlite ...............
FIGURA Parte II Amrica Latina via satlite ................
FIGURA 2 Dal de espaldas, pintando a Gala de espaldas,eternizada por seis
crneas virtuales provisionalmente reflejadas
espejos.......................................................................
FIGURA 3 La casa de la colina..........................................................
FIGURA 4 Mosaico (1).......................................................................................
FIGURA 5 Mosaico (2)........................................................
FIGURA 6 Caleidoscopio (2)...............................................
Resumo
Eleita a obra, Gerao 90 manuscritos de computador brasileirossurgidos no final do sculo XX, em sua relao com a latinoamericanodel siglo XXI las horas y las hordas, Espaos de represso: retratosde in/excluso analisa a configurao do espao latinomltipla emultifacetada, tendo por referncia a questo da dicotomia in/exclusoem sua significao sociopoltica e mtico-histrica. Relaciona, ainda,tais espaos com aqueles, propriamente textuais, observando otrnsito do escritor, construtor desses espaos e parte integrante dojogo de identidades que a se constitui, tanto no nvel do enunciadocomo no da enunciao.
Linha de pesquisa: Identidade e alteridade na Literatura
Palavras-chave: Amrica Latina; Antologias; Excluso;Identidades.
INTRODUO
Nosso sculo, marcado pelo crescente fenmeno da mundializao, comoo definem
uns, ou da globalizao, como o nomeiam outros, e suas exignciasde flexibilizao de
fronteiras econmicas, polticas e culturais, faz com que aAmr
carter de heterogeneidade cultural e multiidentitria, deinteratividade, seja tnica, seja
lingstica. Seus paradoxos e/ou contradies aparecem como valoresimportantes na
dilatao dos circuitos comunitrios entre as naes.
A cultura latino-americana, hoje, busca redimensionar esseuniverso caleidoscpico
que, cada vez mais, move-se em direo a uma perspectivamultiidentitria.
Qual , ento, o papel reservado Amrica Latina, nesse espaoglobalizado, onde, ao
lado das trocas econmicas e culturais, ainda predominam relaesdesiguais, j que,
no dizer de Nstor Canclini (2000, p.34), certas tendnciasglobalizadoras da economia
reforam algumas fronteiras, ou levam criao de outras novas?Nesses novos
Tomando como objeto os livros Gerao 90 manuscritos decomputador
melhores contistas brasileiros surgidos no final do sculo XX
Editorial, em 2001 e Antologa del cuento latinoamericano delsiglo XXI
hordas, publicada em 1997, pela Siglo Veintiuno Editores, temoscomo objetivo
investigar, a partir da relao entre in/excluso, em suasignificao sociopoltica e
mtico-histrica, alguns dos mltiplos traados de um territrio emsua identidade
mltipla e multifacetada.
Organizado pelo escritor Nelson de Oliveira, o livro Gerao90
computador nos pe em contato com textos de diversos autoresbrasileiros. Compilada
por Julio Ortega, que tambm escritor, a Antologa del cuentolatinoamericano
coloca-nos diante de textos produzidos por escritores dediversos pases da Amrica
Latina.
Atravessada por tendncias de um tempo e um espao, o da enunciao,qualquer
seleo , porm, inevitavelmente, pessoal. Diante de uma seleo denomes (e
histrias) que vo compor uma antologia, coloca-se a problemticado gosto (que,
Faltou, alm do Paraguai, o Brasil, o que j suscita uma perguntasobre a configurao
do territrio e do texto. Da Amrica Central e Caribe apenas trspases aparecem
(Porto Rico e Cuba com trs autores cada um e Honduras com dois).De qualquer
forma, h representantes, entre os autores, desde o norte at osul do continente, no
caso das duas antologias. Autores que, buscando formas deconstruo do gnero
conto, em uma escrita que constri diferentes espaos e tempos,deixam nela a marca
de variadas vozes. Ora, em tom realista, focam-se as misriasdirias e/ou seculares,
ora, na busca de se evitar o trauma de origem de terraespoliada, fala
metalingsticamente, da prpria Literatura.
H, j de incio, que se relativizar uma possvel dicotomia.Compagnon (1999) nos
ensina: nem tanto ao mar, nem tanto terra. Consideramos oportunoevadirmos dessa
lgica binria em que ou a Literatura fala do mundo, ou fala desi, e ponderar que, se
o ser humano desenvolveu suas faculdades de linguagem, paratratar de coisas que
no so da ordem da linguagem (COMPAGNON, 1999, p.126). Ou seja,mesmo
quando a Literatura fala de si prpria, no deixa de falar domundo, pois a linguagem
existe para que o homem consiga lidar com (SANTIAGO, 2001) arealidade. Nesse
contos. Joo Batista Melo, por exemplo, experimenta, no longoconto
de sombras, o modelo dramtico, Dostoievski. Marcelino Freirelana mo da
intensidade e da inverso de sentidos, tal como se assoma, nobreve conto
tiro. O leitor depara, ainda, com Cu negro, extensa narrativaque Rubens Figueiredo
constri, a partir do olhar do excludo e com a sucesso de textoscurtos que, no conto
de Fernando Bonassi, Violncia e paixo, permite multiplicarmarcas autorais e
desconfiar dos pontos de vista. Acrescente-se, mesmo, o contofragmentrio de
representao urbana de Autobiografia com giz, de Pedro Salgueiro,ou o conto de
Mauro Pinheiro, A primeira semana depois do fim, dedicado a JooAntnio e
solido da sua morte, numa referncia ao processo criador e prpriaLiteratura, entre
outros.
Na Antologa del cuento latinoamericano, no poucos autoresutilizam
irnica, como Rodrigo Fresn, enquanto outros, atravs daidentificao de tipos
diversos, denunciam a desumanizao, caso de Cristina Civale.Outros tantos temas,
como a incerteza, o rechao, a marginalidade, o tempo inexistenteou a impossibilidade
de socializao, incluem-se em vrios relatos como os de AlbertoFuguet e Daniel
adquirir uma identidade, to convencional, talvez, como ainstitucionalizada e
dominante; ou a dependncia de drogas, ou o alcoolismo queaniquila o que h de
humano em uma pessoa, como em Lina Luna, oaxaquea, en laprisin
mexicano Francisco Hinojosa, em que tambm se observa o estigmacarregado pelo
presidirio, ou a cultura mesma das prises. Ainda se avultam osdanos provocados por
um colapso nervoso (El detector, do venezuelano Federico Vegas),deixando a
pessoa no limiar da represso psicolgica e a desinstitucionalizaoirresponsvel,
entre a paralisao da alma e a anulao do desejo ou da identidade.Ou ainda, a falta
de dinheiro para pagar as contas (La brocha gorda, do mexicanoDavid Toscana), ou
a ilegalidade que da pode decorrer e acabar transformando oindivduo num sem
num sem-ptria, num sem-identidade. At mesmo um puro azar com ochefe, ou um
policial, pode desencadear uma srie de eventos que atiram apessoa margem da
sociedade; melhor dito, que evidenciam a margem onde ela seencontra, a partir de
ento. Qualquer que seja a margem, quase sempre habitada porfarrapos humanos,
cmica, irnica e, inversamente, retratada como em
mexicano scar de la Borbolla.
Para repensar, panoramicamente, o cenrio de travessia entresculos/milnios e
delinear o jogo de in/excluso e resistncia na Literatura daAmrica Latina, no
deste trabalho, incluem-se cinco autores, constantes daantologia brasileira e,
dialogando com eles, outros seis extrados da de JulioOrtega.
Outra vez a polmica do gosto, pois..., como dissemos, qualquerseleo
inevitavelmente pessoal, ainda que marcada por uma tendncia ouum propsito. A
ttulo de organizao, relacionamos em seguida, em ordem alfabtica,o ttulo dos
textos e os autores, selecionados para este estudo. procednciados mesmos
agregamos dados cronolgicos, atravs dos quais possvel verificar,rapidamente, seu
ano de nascimento e a data da publicao e realizao de suanarrativa.
Bonassi, Fernando (Brasil, 1962); Violncia e Paixo (2001,
Chernov, Carlos (Argentina, 1953); La composicin del relato(1991,
Freire, Marcelino (Brasil, 1967); Linha do tiro (2001, Gerao90
Fresn, Rodrigo (Argentina, 1963); El lado de afuera (1991,
Melo, Joo Batista (Brasil, 1960); O colecionador de sombras(2001,
Em termos quantitativos, nossa seleo deve-se a que nospropomo
desses autores, alguns fragmentos da Amrica. Em termosqualitativos, entretanto, no
se trata de estabelecer, como quereria o compilador da antologiabrasileira, um
panorama dos melhores autores da dcada de 90, proposto j nottul
tampouco, como Julio Ortega menciona na apresentao de suaantologia, de construir
um arquivo que manifestasse certa tendncia ao futuro, comnarrativas que traariam
las rutas de lo nuevo, sem se apegar ao trauma da terraespoliada. Tr
esboar mapas que se desenham na atualidade, tanto nos textoscomo no contexto
geogrfico, econmico, cultural ou sociopoltico, atravs dasantologias. Assim,
retratam-se as fragilidades identitrias de nossos dias e, aindaque o antologis
peruano queira livrar-se do esteretipo da excluso e o brasileiroselecione uma forma
de narrativa curta consagrada, na qual ele mesmo reconhece opredomnio, entre os
autores, de homens de classe mdia, brancos e heteressexuais,importa salientar que
ambos antologistas no deixam, consciente ou inconscientemente,de representar ou
de construir personagens excludas.1
Capturando, pois, retratos/imagens de um territrio latino
forma, tais esteretipos so desmascarados como anacrnicos,sim
insuficientes?
Seria o caso de se perguntar, ainda, no quadro da reflexo sobrea funo da
Literatura, se, de fato, existe uma redefinio do intelectualcontemporneo que elimina
ou supera toda inteno messinica ou mantm-se a propenso
uma transformao ideolgica, a despeito de um mapeamento maiserrante dentro da
globalizada comunidade transnacional dos discursos dacontemporaneidade.
intelectual ou escritor seria ainda responsvel por disseminaridia
a sociedade receptiva a possveis mudanas futuras, capazes depreservar a
flexibilidade social (GUMBRECHT, 2004)? Qual seu papel nostextos/territrios
latino-americanos?
De qualquer forma, uma primeira percepo que nos do esses
capturados do cotidiano, a de que explicitam transformaes nocampo social,
poltico, econmico e cultural da Amrica Latina. Transformaesproduzidas sob uma
forte presso de valores des/construdos que circulam num contextocada
linearidade, revelando-se fragmentada; e as personagens,mergulhadas numa certa
desordem, protagonizam a violncia moral e fsica e a destruio dasformas de
convivncia social.
Nesse sentido, a partir de narrativas que tm o excludo comopersonagem e que se
produzem a partir de tenses histrico-poltico-sociais,caractersticas da Amrica Latina
de nosso tempo, esta investigao volta-se para a discusso doproblema da excluso
social, acirrada de forma perversa no mundo globalizado,retomando a relao Literatura
e sociedade e aproveitando-se de uma fundamentao tericaproduzida mais
recentemente. Para tanto, previu-se o desenvolvimento de cadauma das etapas
formadoras da tese aqui proposta.
A primeira parte busca fundamentar, luz da relaotextualidade/territorialidade, a
escolha das selees de contos e discutir, a partir da, a propostadas antologias e a
irrepresentabilidade da Amrica Latina como um todo unificado.Ainda nessa parte,
revisita-se o conceito de nao e identidade e estudam-se asrelaes entre in/excluso,
tendo, como referente, a relao Literatura/Histria em seuenvolvimento com as relaes
processo de classificao do espao latino-americano comoperiferia, ter
Nessa etapa, enfocam-se os elementos de dominao, de poder e decerceamento da
liberdade, em diversos nveis: individual, institucional,cultural, geogrfico, poltico
e sua relativizao. Na aproximao entre os contos selecionados
manuscritos de computador e da Antologa del cuentolatinoamericano
alegorias, para indicar os mecanismos que subjazem aos textos,sustentando a
percepo de sociedade e identidade, transmitida pelos autores, epara discu
poderes e os artifcios que foram ao silncio as vozesdiscordantes, levando excluso
dos alijados. Enfim, em um momento em que, no campo da criaoartstica, a mistura
entre espaos reais e espaos fictcios fortalece-se como tend
significativa, nossa anlise quer contribuir para uma maiorcompreenso dos recursos
utilizados pela Literatura, para produzir efeitos de sentidos, apartir das relaes entre o
mundo vivido e o mundo construdo com os recursos prprios d
encenando a in/excluso social, o texto literrio faz-se lugar emque se mostram
tenses e intenes que, muitas vezes, fogem ao controle dosautores/organizadores dos
textos.
escrita como lugar de encenao de identidades. Em outraspalavras, fazer essa leitura
significa transitar em e entre culturas, dspares em suassingularidades e to prximas
em seu trgico destino poltico e social, na qual in/excluso,sociedade, poder e
identidade poderiam ser vistos como pequenos fragmentos,movimentando
grande caleidoscpio a relativizar limites entre pasessubdensenvo
desenvolvidos, terceiro e primeiro mundo, centro e periferia,sem que sejam dissipadas,
entretanto, e infelizmente, as desiguais relaes de poder queteimam em conservar
no jogo poltico de excluses sociais. Nesse sentido, o espaonarrativo
contradies, destri modelos que buscam homogeneizar diferenaspara melhor apart
las e dirigi-las, e, ao faz-lo, abre a crtica contraarbitrariedades que se mantm dentro
da lgica geopoltica de um mundo, paradoxalmente, dado comoglobaliza
PARTE l
CAPTULO 1 ANTOLOGIAS: MAPAS E IDENTIDADES
Sabendo-se que, neste trabalho, toma-se como objeto de anliseduas
selees de contos, no territrio da Literatura contempornea emlngua
portuguesa e espanhola, este captulo busca fundamentar,
relao textualidade/territorialidade, a escolha de tais seleese
discutir, a partir da, a proposta das antologias em sua relaocom a
prpria irrepresentabilidade da Amrica Latina como umterritri
unificado.
Em uma poca em que questes sobre o resgate do realismo, voltadoaos problemas
sociais, na Literatura, acompanham a controvrsia da histria daAmrica Latina, como
uma histria de plurais e contraditrios discursos, nosso trabalhotoma, como
anlise, justamente, duas antologias de contos, no territrio daLiteratura
contempornea em lngua portuguesa e espanhola. Isso porque, aofornecerem
imagens despedaadas da realidade, tais selees de contostraduziriam
representaes de um continente fragmentado, a despeito doprocesso da globalizao.
como nos adverte Coelho Prado (1999, p.20)3, em diversas evariadas manifestaes
polticas, econmicas e culturais, Brasil e Amrica Latina atestamsua identidade, mas
tambm a rejeitam, evitando-se, invejando-se,des/qualificando
esteretipos, vinculados ao mundo ibero-hispano-americano.Entretanto, Amrica
Latina e Brasil so partes de um mesmo continente, c
secundria em relao proeminncia de uma Europa, de uma Amrica doNorte, ou
de pases economicamente considerados fortes. Essas contradies,porm, so a
mola que nos impulsiona e a causa de nossa persistncia pelapesquisa
Latina, via Literatura.
oportuno frisar que, na medida em que, hoje, explicita-se adificuldade de se falar de
identidade nacional e o fato de que a histria de cada pas daAmrica Latina corre
paralelamente das demais, vivenciando situaes sociopolticasbastante parecidas
(colonizao, independncia, supremacia europia e/ou norte
parece-nos, como evitar comparaes e, em vez de mantermos osolhos fixos na
Literatura de determinada faco, acreditamos ser muito
Literatura brasileira ao lado da Literatura que se produz nospases de colonizao
Oliveira, Gerao 90 manuscritos de computador Os melhorescontistas brasileiros
surgidos no final do sculo XX (2001) e da Antologa del cuentolatinoamericano del siglo
XXI las horas y las hordas (1997), seleo, em lngua espanhola,do
Ortega. E, no quadro um tanto apocalptico de um tempo de
em nossa opinio, as antologias de textos brasileiros e hispnicosestariam aptas a
configurar, dado os efeitos de sentido dos contos que asintegram, um esboo de um
projeto literrio, em dilogo com histrias da Literatura que, deuma forma ou de outra,
ajudam a construir. Vale lembrar que, caracterizadas por umacomposio mista, em sua
ambigidade irredutvel, as selees organizam seus textos emblocos, localizando
em seu correspondente perodo histrico e crtico, o que,contraditoriamente, faz
espao passvel de desconstruo. Da mesma forma, cada seleo, mesmosendo
preparada, integralmente, por um s especialista, constri
isto , so o phrmakon que representa bem a idia da diversidade edo paradoxo que
circula nelas prprias ou no projeto dos antlogos, nos escritoresselecionados ou nos
textos que as compem, mas que tambm circula na culturalatino
faz-se uma forma particular de reflexo sobre o processo deconstruo dessa cultura,
estabelecendo um olhar dialogante e plural. Por isso mesmo, taisselees, conscientes
almejado. Importa, pois, pensar a poca de edio das antologias,as condies de
produo das mesmas e suas contradies.
No que se refere Gerao 90 manuscritos de computador
inicialmente, como uma espcie de compilao de textos,pertencentes ao
do conto brasileiro, escritos no vagalho tecnolgico doscomputadores pessoais. O
ttulo, ou pre/texto, do organizador para reunir, em livro, 17contistas que vm
publicando nos ltimos anos, de incio destaca a composio dostextos: manuscritos
da era da informtica, que, aproveitando-se de novas tecnologias,realizam
See Also5.4: Identificando e usando o PathosLista de Atividades sobre Interpretação de Texto e Gramática para o 9 AnoNesse texto além das palavras que outro recurso foi usado para expressar ideiasCurso Hebraico Bíblico: AT Desvendado – Cursosmobilidade de extratos, de pedaos que saem de um arquivo e semetem em outros,
incrementando a variedade da escrita.
Essa variedade, que se d em vrios nveis geogrfico (autores devrias partes do
Brasil), temtico e de composio ou construo textual
sempre num af de explicar ou organizar o que nos parecearbitrrio, sintamos a
necessidade de classific-la para alm da ordem alfabtica e dovago conceito de
gerao, em termos de realizao literria, dado por Oliveira, que, apr
uma Literatura geracional, ou seja, de se tomar a produoliterria contempornea,
atravs de um recorte dessa natureza, caso de nossas coletneas.Alguns observam,
no entanto, que, mesmo sendo discutvel, esse tipo de recorteteria o mrito de mapear
a produo de dado momento histrico, sobretudo, no caso especficode passagem do
sculo, quando se tem uma pluralidade enorme de discursos, isto ,uma riqueza muito
grande de abordagens. No se trata, evidentemente, de discutir apertinncia ou no
das antologias ou de seus ttulos, mas, justamente, de sublinhara ausncia de uma
linha temtica e de um projeto literrio, nicos, como elementosindicadores de um
processo de leitura, no s dos livros, mas tambm dos espaos emque circulam.
Assim, embora a singularidade que se busca, ora se perca,ora
pequenos traos, a maneira diversificada de se construrem oscontos e que marca a
prpria maneira de organizao da/s antologia/s, permite
intrincado espao do qual somos parte: uma Amrica Latina singulare divers
perfeito para evidenciar, no todo, seus intrincveisfragmentos.
O gnero conto, pois, em sua expressividade e em especial,aqueles selecionados
narrar, simultaneamente, duas histrias como se fossem uma. Umahistria aparente e
outra secreta. Para o autor, a princpio, a histria secreta seriauma situao de
enunciao que persistiria cifrada at o final, de forma que osentido de um relato seria
uma figura que, oculta, revelasse sua existncia, comodesvelamento, apenas no
desfecho da narrativa. Nesse sentido, a voz autoral que seescuta, sub
estrutura de caleidoscpio dos contos aqui selecionados,
pelo tom, pelo registro verbal da/s histria/s e pelamultiplicidade de tipos que ali
circulam , ao se revelar, produziria um efeito de paradoxo e derelativizao. Como
Piglia (2004), compreendemos que tal efeito est ali, desde oprincpio, e quem define
os fatos, mas que, intencionalmente ou no, produz um relato empalimpsesto, antes,
um relato em abismo. Isto , mais do que o relato de uma histriasob outra, o que se
tem, como o prprio Piglia (2001, p.3) reconhece, em outroartigo, uma multiplicidade
de histrias, umas dentro de outras4. Dessa forma, conforme nosensina o referido
autor, o conto seria uma histria sobre o instantneo, um universoem miniatura, em
que fronteiras so traadas, escandidas, cindidas e/ou divididas(PIGLIA, 2001, p.112).
Assim sendo, o conto pode ser visto como uma encruzilhada cominmeros pontos de
interseo, rompendo a profundidade ou a linearidade dosdiscursos, atravs dos quais
Em sntese, por essa razo que nos lanamos ao estudo de um c
pela improrrogvel necessidade de incorpor-los como narrativascapazes de mapear
espaos e tempos, ao apresentarem instantneos de nossos recentesanos. Nesse
sentido, ressalte-se que, sem nos preocuparmos em estabelecernexos e
dependncias, a aproximao entre Gerao 90 manuscritos decomputador
Antologa del cuento latinoamericano pode ser produtiva naconfigurao de espaos
latino-americanos. O interesse primeiro proceder ao exame dessesespaos, atravs
de seu relacionamento, atentando-nos a ambas selees. Ou seja,para compreend
los melhor, pareceu-nos inevitvel que os textos dos autoresbrasileiros ultrapassassem
os limites da lngua e da historiografia e dialogassem com outrano menos
diversificada seleo, em lngua espanhola.
O compilador da antologia latino-americana, Julio Ortega,esclarece as circunstncias
de seu encontro com os textos, a partir de uma convico: a de queuma era traumtica
e estereotipada do passado da cultura latino-americana d lugar aum por
ideogramas preconceituosos. Fascinado pelo tema do futuro que,segundo ele,
precipita-se nos recentes textos, decide organizar a melhorrepresentao futurista de
A Antologa del cuento latinoamericano representaria, nessesentido, a superao da
idia de que a Amrica Latina produto de uma violao de quesomos,
historicamente, subsidirios da violncia e de que o fracasso, oressentimento ou a
autodegenerao so a ns destinados. Dessa forma, as idias que nelaveiculam
seriam as de que tais hipteses so apenas mitos mecnicos esimplificadores, que no
do conta da qualidade imaginativa das nossas artes, no casoe
nem da capacidade criativa da resistncia cultural popular, nemdas respostas da
sociedade civil e, muito menos, da vivacidade do cotidiano. Emque pesem, nessa
balana, todas as razes contra, seus textos conseguiriamprocessar car
humanizar violncias e apropriarem-se, subversivamente, dalinguagem dominante.
Atravs da coletnea, seria possvel conhecer o homem do novosculo, que no tenta
mais explicar as loucuras e os crimes da humanidade pelo vis doterceiromundismo.
Se, na antologia de Nelson de Oliveira, os recentes contos decontistas,
consideravelmente jovens, talvez no consigam, ainda, abalar umacerta concepo de
intelectual iluminado, indo ao encontro do que este afirma, emtom dogmtico, no
ttulo e na apresentao, ser a sua uma antologia dos melhorescontistas surgidos na
explicaes globais como essas ou verses autoritrias de discursosdominantes so
insuficientes. Se algo tm em comum, alm da total diversidade deassuntos e
construo dos textos, isso seria o alargamento da autoridade doindivduo e de seu
territrio, uma propagao de sua identidade, dada pelo fato de queno se curvam
mais verdade de um ou outro discurso arbitrrio.
Vrias figuras ou idias, elementos ideolgicos e fatorescontraditrios, entram por igual
na composio dos contos e sempre difcil traar entre uns e outrosuma linh
de demarcao. Assim, os contos das antologias, ora estudadas,situam
dinmica e contraditria do global e do regional, noes que no soopostas, mas que,
antes, constroem-se como espaos de identidade mvel e heterognea.Primeiro
porque as tecnologias so aproveitadas dentro e fora dos textos,intrincando
centros e vrias margens. Segundo, porque a/s identidade/s quedeles emerge/m,
revela/m-se com todos os seus direitos diferena e se constri/oemna diversidade,
no necessariamente como fator discriminatrio, mas, tambm, comuma funo
inclusiva. Uma identidade, em princpio, antitraumtica, feita nointercmbio de
valores, e atual, tanto como as redes de interao, em que oindivduo busca a
fato, pois, a cada descoberta, por certo surgir uma nova luz,uma nova trilha a ser
percorrida, uma nova tese a ser elaborada. Certo , entretanto,que a atualidade, ou a
modernidade de ambas selees, apia-se, principalmente, nessesentimento do
diverso que sai da leitura de todas e de cada uma de suaspginas. No se trata,
evidentemente, apenas da diversidade emanada dos diferentesassuntos; trata
prprio ponto de vista dos autores, no qual se confrontam amscara da sociedade
urbana e seu cdigo ideolgico, latentes na multiplicidade da
As antologias em questo fundam um territrio da fico, aodimensionarem, na
contradio entre o projeto e a ao, o pensamento e o ato, umaAmrica plural,
mltipla e ambgua. Ambigidade manifesta desde os ttulos dasobras: por que
manuscritos de computador? Por que las horas y las hordas
se o jogo antinmico entre a tradio (manuscritos) e a tecnologia(computador); no
segundo, o jogo entre a tentativa de organizao (horas) e aimpossibilidade desta
(hordas). Talvez, porque os sentidos sejam mesmo mltiplos,ndices dessas diferenas
ou singularidades to marcadas, mas sempre cambiantes, queencontramos tanto na
compilao de Oliveira como na de Julio Ortega, nas horas y lashordas
pela instantnea impresso que tivemos de inverso dessesparmetros. Em primeiro
lugar, em ambas as antologias constam nomes, ainda quepremiados, estreantes dos
ltimos anos do sculo XX e de contos, em sua maioria, inditos.Nada nos pareceu
mais adequado para capturar essa imagem fragmentria de Amrica,no fim de um
sculo, no incio de um milnio. Em segundo lugar, ambas asantologias no pareciam
simplesmente ressaltar, como a Literatura de contestao dos a
esteretipos de Amrica Latina. Antes, pareciam propor uma reflexocrtica sobre
esses esteretipos e trat-los por outro vis, o de ver neles apossibilidade de
superao que se abre para a regio e sua gente. Tampouco taisselees tra
como mencionamos, um enfoque monotemtico, o que se adequouperfeitamente
nossa preocupao em no estabelecer fosse uma perspectivaregional, fosse qualquer
outro tipo de rotulao, mesmo porque isso parecia impossvel.Desse modo, sem
qualquer preocupao classificatria, pois, achamos por bem trataressa narrativa
breve, dentro de uma perspectiva, atravs da qual pudssemosverificar, no tratamento
de um mosaico de textos e autores contemporneos, que imagens deAmrica Latina
se esto desenhando, nesse perodo.
de escolher o que fixar para a posteridade, como um arconte, naacepo de Derrida,
tem o controle e a competncia hermenutica de interpretao dearquivos. Ainda,
segundo Walty, paradoxalmente, todo arquivo traz em si o germede sua destrui
uma vez que outros podem abri-lo e desconstru-lo.
Tambm Hugo Achugar (1997, p.23) reala a fora da leitura daantologia:
Toda antologa es una mscara de interpretacin. As como no existeun lugar privilegiado e incontaminado desde donde interpantologaque no suponga una interpretacin. Pero si no existe un lugarasptico o un aleph desde donde interpretar, ello no implica laimposibilidad de la interpretacin. Se interpreta desde un espaciocontaminado y parcial. Contaminado por la historia social y lapersonal, parcializado por la historia social y la personal perotambin por la localizacin geogrficoen el planeta.
Ora, se h escolha no processo de feitura, h escolha no processode rec
ambos, h movimentos de incluso e excluso. Assim, a organizao daantologia pode
ser vista como uma analogia textual da organizao de um territriodenominado
Amrica Latina, ele mesmo marcado pela excluso sociopoltica,cultural e econmi
otras estructuras del pensar moderno de un modo mucho msradical, descortinando
uma nova territorializacin de las desigualdades .
No artigo, o mencionado crtico, luz da globalizao, faz umareviso crtica da
questo do ps-modernismo e ps-colonialismo na Amrica Latina,lev
produo e a recepo crticas e o lugar do intelectual latino
afirma a Amrica Latina como comunidade discursiva, oscilandoentre a colnia e a
ps-modernidade. Nesse aspecto, impe-se ante as totalizaes, aquesto
diferena, da in/excluso ou da arbitrariedade de acessos, pois,conforme De la Campa
(1996, p.698), ao mesmo tempo em que se globaliza o estudo doque se refere
cultura latino-americana, integrando os principais textoscrticos ao cnone ocidental,
disminuyen o desaparecen las posibilidades de investigacin paramuchos
intelectuales en latinoamrica.
Acreditamos, em certa medida, que o mesmo se aplicaria produoliterria
contempornea, pois Julio Ortega, ao compilar os textos da
no poderia mesmo deixar de ser, conforme o corpus ou o arquivoque desejam seus
organizadores. Entretanto, quando na apresentao de suaantologia, Oliveira pr
mapear, ainda que rapidamente, o elenco escolhido e, a partir daconstatao de que
apenas uma mulher est presente, identifica a predominncia dohomem branco de
classe mdia, heterossexual e europeizado, concluindo, maisadiante, que ou os
excntricos (a mulher, o negro, o ndio, o favelado, ohomossexual) nada tm a dizer
por intermdio da literatura preferindo, antes, a msica, ocinema, o teatro e as artes
plsticas ou a literatura no to democrtica como imaginamos(OLIVEIRA, 2001,
p.12), tal atitude no o exime da responsabilidade de deixar defora do conjunto de
autores eleitos, outros sujeitos sociais, que entram no/slivro/s como personagens.
De modo que, a despeito da inteno dos antologistas, tanto nocontexto como nos
textos que tomamos para estudo, as diferenas e os paradoxos do atnica, e variadas
personagens constroem trajetrias tambm diversas e paradoxais,correndo em direo
excluso, assim como, da mesma forma, o processo de in/exclusoafeta territrios.
Sob determinadas condies, a Amrica Latina no se furta a serexemplo de territrio
porque, nos termos de Forrester (1997, p.78), possvel seremigrado, imigrado no
prprio lugar; ser exilado, pela pobreza, em seu prprio pas, mas,muitas vezes
clandestina, seria uma forma de buscar a possibilidade deincluso, ou de acesso,
principalmente, ao trabalho remunerado e com relativaregularidade, o que recobraria
auto-estima e dignidade humanas necessrias a qualquerindivduo.
Ora, oportuno frisar que tambm, neste trabalho, faz-se presenteum movimento de
in/excluso, a partir de um processo de escolha. Em primeirolugar, escolha de
antologias. Em segundo lugar, antologias de contos e, emterceiro lugar, um movimento
de in/excluso de uma diversidade de textos. Incluir estes ouaqueles discursos, neste
caso, importa menos que saber que o essencial a conscincia deque, atravs deles,
capturam-se imagens inesperadas, configurando-se com
arbitrariedades em busca de responder se o gnero (seja conto ouantologia), ele
mesmo to diverso e variado, no nos permitiria chegar, a partirdas mltiplas histrias
que narram, relativizao de incontveis preconceitos quemarcam,
nosso intrincado territrio latino-americano. Isso, em um momentoem que ganha fora
as montagens, o close, a cmera lenta, o barroquismo dalinguagem... Ou seja, tal
questo metaforiza-se em imagens transfigurais, como as dosretratos. Porm, no
pensemos em uma imagem, nem tampouco em uma imagem ntida,delimitada,
estruturalmente, por um quadro, mas em retratos/imagens, assim,no plural, cuja luz
e/ou cor e/ou foco podem ser forjados e modificados. Pensemostambm naquelas
imagens, produzidas pela lente do caleidoscpio, que permitem, apartir de um
movimento, multiplicar um sem nmero de outras imagens jfragmentadas. Sem abrir
mo de captar do cotidiano tais imagens, as antologias (e seustextos) referendam a
fragmentariedade a elas inerente e, em decorrncia, avultam
paradoxos, ensinando-nos a incorporar descontinuidades emovimentos.
No pois sem razo que, como dissemos, a anlise das antologiasaponta para a
diversidade, uma vez que nelas se incluem distintas voze
vozes que falam de diferentes lugares, atravs de no menosvariados e diversificados
nomes da Literatura atual. Seus textos e as histrias que nelesse narram, ainda que,
no corpo das antologias, localizem-se uns aps outros, a e
ordem ou linearidade, vinculam-se, atravs do espao e dosacontecimentos, e
as vrias histrias. Vidas, inicialmente desconexas, cruzam
fusionam-se como os quadrados e retngulos...; figurasmisturam
situaes; grupos ou segmentos sociais movem-se e reagem de acordocom as
mltiplas circunstncias que os afetam, num movimento ininterruptode confluncia e
refluxo, desvelador das relaes em sociedade.
Nesse sentido, vale lembrar a imagem de um albergue en laintemprie, usada por
Ortega (1997) para definir sua antologia, ou a de nacos de arte,usada por Oliveira
(2001) que, com a idia de transitoriedade ou de fragmentos,demonstram que a
Literatura, entre contraditrios projetos e efeitos, seguedesempenhando, entre tantos,
seu papel social.
Portanto, vale considerar aqui, dado o princpio polmico dein/excluso e de
contaminao (entre os textos), que, por sua vez, tambm estetrabalho se move,
perigosamente, num terreno movedio e contraditrio. Por queantologias, que
pretendem recuperaes e/ou revelaes; por que antologias, quebuscam,
paradoxalmente, em um momento de universalizao, dar conta de
excluso de vozes deve-se a qu? A razes culturais e polticas queconfinam
determinados segmentos, no espao pblico ou privado, conforme opapel social que
cumprem na sociedade? A um estigma? Razo pela qual, talvez, apresena de
mulheres, na Literatura oficializada, sempre muito reduzida? Atradies seculares
que lhes delegam as funes relacionadas ao espao privado? Afatores econmicos
ditados por editoras? A critrios de seleo utilizados peloseditores? ideologia dos
antlogos? A sociedades que ainda se regem por normas, sub
separao entre o espao de umas e de outros? A limites de espao? Apropores de
estilo? Pois bem, descontemos, a favor, a diversidade. Mas..., ea presena de
equatorianos, chilenos, venezuelanos, pressupe a ausncia deparaguaios? Por que,
ao se buscar uma unidade, excluem-se brasileiros de umaantologia latino
Acaso no so latinos como argentinos, peruanos, mexicano
bem seus critrios de seleo, baseados no exerccio de seu juzo oupreferncias (o
que em si mesmo um direito elementar de qualquer leitura);entretanto essas
ausncias, a de brasileiros, em uma, a escassez de uma escritafemin
principalmente, esse ambiente paradoxal, por excelncia, ,sobretudo, ainda que no
se pretenda responder a tantas perguntas, um sintoma a serconsiderado. Um sintoma
a ameaar todo principado, todo primado arcntico, todo desejo dearquivo
(DERRIDA, 2001, p.23). Compartimos de sua opinio, quando estaaf
exterioridade do arquivo passa a ser habitada pelo outro que secoloca frente a frente
com seu habitante interior (WALTY, 2005, p.07) Em outro momento,citando Derrida, a
autora atesta que o arconte tem o poder de consignar, reunindosignos:
consignao tende a coordenar um nico corpus em um sistema ou umasincronia, na
qual todos os elementos articulam a unidade de uma configuraoideal (DERRIDA,
2001, p.14). Acreditamos, portanto, que as antologias seriamresultado do trabalho de
um arconte, mas no revelariam a unidade de uma configurao ideal;isto porque, a
partir de fragmentos, os antlogos tentariam dar unidade ao que,por natureza,
fragmentrio. Essa contradio inerente alarga-se e toma vulto, namedida em que tais
fragmentos se multiplicam, ainda mais, pela exposio a outrasinterpretaes. Dentro
desse prisma, as antologias podem ser vistas como um arquivo, ummuseu. Em seu
jogo de in/excluso, tanto um espao de permanncia daquilo queficar para a
posteridade, como, ao conservar determinados textos e autores,espao de
exposio, abrindo-se possibilidade de outros tantos olhares eleituras. Como se v,
tem-se a uma mobilidade muito grande, no [grande] texto e nostextos que o
polmica gira em torno do atual mercado editorial, da falta deleitores e dos possveis
caminhos criativos disposio dos novos escritores.
Alm de discutirem a subordinao da Literatura contempornearealidade
impossibilidade de se estabelecer uma Literatura geracional,como vimos
anteriormente, queremos destacar, nesse momento, o fato de, umdeles, Bernardo
Carvalho, associar a "gerao 90" a certa militncia de um grupo deescritores. Em
suas palavras:
Se voc pegar essas pessoas, elas no tm nenhuma questo em comum.No como a nouvelle vague, um grupo que fez um manifesto, iniciou ummovimento. Aqui uma militncia para criar espao no mercado. O perigoda impostura nisso grande. Voc junta alhos com bugalhos, como sefosse propaganda. (CARVALHO, apud MACHADO, 2003)
Ao dizer que os escritores buscam promover-se, isto , buscamespao no mercado
editorial, toma a antologia como instrumento publicitrio,abrindo o debate
questionamentos: da a inflamada rplica, em que Nelson deOliveira comenta as
crticas de Bernardo Carvalho e Hatoum (OLIVEIRA, 2003
questo da visibilidade, dizendo que, seja onde for, qualquerescritor, genial ou
medocre, quer que seus textos sejam lidos, e acrescenta que esseanseio leva tais
contaminao, at o princpio da antologia como estratgiapublicitria, insere
vrias formas, a questo da in/excluso?
Sem dvida. Tanto que Oliveira (2003) insiste em que todo essemovimento [de busca
por promoo] bate de frente com a literatura de gabinete, voltadaapenas para o
cnone e distante do corre-corre cotidiano, sublinhando,contraditoriamente, que tal
postura aristocrtica e, em suas palavras, casa bem com a fixaode Bernardo
[Carvalho] e Hatoum na questo da permanncia, segundo ele umaquesto
bizantina, porque discutir "quem vai ficar e quem no vai ficar"discutir o sexo dos
anjos.
Contraditoriamente, dissemos. Isto porque, dentro da polmicasobre quem fica de fora
ou dentro da antologia, Oliveira no se exime de classificarautores entre geniais e
medocres, nem, tampouco, de ratificar a necessidade dele prprioe a do grupo que
seleciona de fazerem parte desse cnone da Literatura, que oantlogo tenta negar.
seja, buscando questionar um preconceito, rebate a crtica com omesmo preconceito.
Buscando atacar a postura de Bernardo Carvalho, segundo ele,antitica por
Temos de reconhecer que os paradoxos so inevitveis, mas so elesa conferir, no
nosso ponto de vista, maior importncia s antologias, pois, no sepode negar, mesmo
que selecionem uma forma consagrada de narrativa curta, daes
mecanismos editoriais, fazem um mapeamento da produo, ainda quede forma
contraditria e sem unidade de qualquer gnero, ao evidenciar, nopanorama da
produo cultural contempornea, intrincveis fragmentos. Em outraspalavras, o
paradoxo primordial, marcado pela seleo de escritores de umgrupo, no caso
brasileiro, e de uma regio, no caso latino-americano e de ambos,no nosso prprio
caso, a fim de refletir sobre um desplazamiento de fronteiras ede identidades, atravs
de elementos que vm da tradio ou dos esteretipos, acabam poresboar mapas de
sentido.
Evidentemente, no faltar quem se escandalize pelapresena/ausncia de umas e
outros. Porm, ratificamos, esse aspecto no determinante: essaansiedade de
in/excluso no seria outra forma de mostrar que as antologias noesto aqui para
fotografar a cara da Amrica, para dar conta de represent
sem interferncias de quaisquer espcies, mas para revelar imagense propor novas
variado critrio, s poderiam mesmo representar a diversida
poca.
Nesse sentido, ao analisarmos os projetos dessas coletneas,compreendemos as
escolhas efetuadas pelos organizadores, que, paradoxalmente, nabusca de agrupar,
selecionam textos que as fraturam e fragmentam e nelas produzems
vrios. Ou seja, a presena/ausncia de escritoras/es nessaspublicaes, marcando
seu lugar de enunciao, diz, evidentemente, dos critrios quelevaram ao agrupamento
de tais textos e no de outros, diz muito de como se situam asantolog
Literatura brasileira e latino-americana, mas fortalece-se nasfiguras que transitam pelas
narrativas, num espao de tenso que, de alguma forma,infringem.
De forma que um elemento produtivo de leitura parece-nos ser aaproximao entr
antologias de Oliveira e Ortega e, ao estabelecermos o dilogoentre elas, atravs de
produes de outros espaos, talvez consigamos evidenciar aimportncia de se negar
ou reafirmar o Brasil e a Amrica Latina, como espao dein/excluso social ou de
opresso histrica; talvez, ao interrogar-nos sobre o que asmotivou, possamos
onde falam e, somente nele, podem abrigar variadas vozes, e deleabrir caminho para
outros deslocamentos. Assim, em sua complexidade organizacional,da ambigidade
entre fechadas/abertas, as antologias no as fazem os crticos,nem os escritores, mas
suas construes literrias, publicadas numa poca significativa dahistria dos vrios
pases. Tudo conflui para a possibilidade de se observarem osdiferentes recursos de
que se valem para, no espao especfico da Literatura, operaremdilogos com outros
lugares, graas a que, no lugar do arquivo ou do museu, quallugar de conservao,
est, em contraste, o mapa, um mapa em suas variadas formas,sempre cambiante e
movedio, como a Amrica Latina.
CAPTULO 2 AMBGUA AMERICA LATINA
Nossa preocupao, neste segundo captulo, ser a de revisitar o
conceito de nao e identidade e estudar as relaes entrein/excluso,
Literatura/Histria e seus deslocamentos de sentidos, tendocomo
referncia as relaes de poder, no espao latino-americano.
2.1 A identidade em questo
Todo el proceso de la sociedad democrtica es una tendencia haciala
igualacin: igualacin de oportunidades, de derechos, de consumos,de
apariencias. Las ideas, los objetos, se extienden para
homogneamente en una y otra parte del mundo tal como lapropagacin de
una epidemia de los mismos perfumes, los mismos coches, losmismos
Com base em diversas abordagens, a discusso que propomos sobreidentidade e
nao, na transio dos sculos/milnios, s poder ser hipottica ecircular. Nesse
sentido, explorando o incerto, devemos tentar sublinhar aspectosdesses temas, que
tornem nossa tentativa menos obscura.
Em primeiro lugar, discutir a noo de identidade, num momento emque h uma
completa ausncia de paradigma, vrias mudanas acontecendo emltiplas informaes
em todos os campos do saber, algo muito complexo. Situando
evento social e poltico, os diferentes usos do conceito provocamproblemas. Portanto, a
identidade, a partir de seu prprio repertrio de expresso, parecerefletir a
complexidade, metaforizada na imagem do caleidoscpio, do nossoterritrio e da/s
imagen/s que latino-americanos - brasileiros e hispnicos - fazemde si.
O Dicionrio consigna que "identidade" vem do latim idem, quesignifica "o mesmo" e se
refere "qualidade de idntico." (HOUAISS, 2004). Em sua
Martn Alonso (1958) acrescenta outro significado: "la unidad delo mltiple," que se ope,
ou seja, a resposta , sempre, uma redundncia, um nome, sempreinsuficiente para
qualificar ou representar um indivduo. De fato, o advrbio dolatim clssico
de novo, repetidamente, o que teria dado origem ao substantivo(cf. HOUAISS, 2004,
nesta mesma entrada).
Nesse sentido, a palavra identidade resulta, em princpio, da aode identificar uma
pessoa, conforme o conjunto de suas caractersticas como o nome,a profisso, o gnero,
o tipo fsico etc., o que pode representar uma acentuao da idiade unidade. Porm,
determinada por fatores presentes no espao histrico-social que agera, modifica
desaparece, quando o contexto que a criou se altera. Assim,identidade, como
pensamento historicamente situado, seria uma espcie derepresentao mental de uma
dada situao, ou de uma pessoa ou uma sociedade determinada, ouseja, um fenmeno
que sempre associado a outro e sempre em movimento traz em si,parece
contrrio, o germe da fragmentao.
A sociedade no um todo unificado, est constantemente sendodescentrada ou
Note-se, portanto, que o conceito de identidade mudou. Se antesimperava o conceito
pr-socrtico da referncia certa, do indivduo ou da pessoa humanacentrada, coesa,
unificada, dotada de conscincia e razo (GUMBRECHT, 1999), hojede
um conceito ps-moderno do sujeito que, formado pelas relaessociais
estabelecidas com os outros, incorpora, assume ou absorveidentidades diferentes em
momentos diferentes (HALL, 1999). Isso o que provoca choques eexplicita paradoxos
e no poderia ser mesmo de outra forma.
Entre os sculos XVI e XVIII, poca do direito divino dos reis,acreditava
tradies e estruturas estavam, divinamente, estabelecidas e nopoderiam ser
modificadas. Idia conforme o pensamento de Plato deSociedade
qual a sociedade deveria possuir uma estrutura ordenada edividida em classes, em
que as pessoas estariam, rigidamente, fixadas em seus papissociais; ou seja, as
pessoas teriam uma identidade coletiva e sua permanncianesse
garantiria a ordem.
Com o advento do capitalismo, essa concepo mais social da pessoase desenvolve,
universalistas, mas o que ocorreu parece no ter sido nem otriunfo do universal, nem
do particular, mas o triunfo das rupturas e dos desvios, cadavez mais pujantes e
contraditrios.
Assim, o sujeito do iluminismo6, visto como tendo uma identidadefixa e estvel, foi
descentrado, resultando nas identidades abertas, contraditrias,fragmentadas,
desconstrudas ou inacabadas do sujeito ps-moderno.
Conforme Hall (1999), esse descentramento teria ocorrido emetapas. A primeira
delas, referente s tradies do pensamento marxista; a segundadescoberta do
inconsciente por Freud, isto , a identidade seria, realmente,algo formado, ao longo do
tempo, atravs de processos inconscientes de identificao, e noalgo inato; a terceira,
a do descentramento, seria a da esfera da linguagem (
surgimento de uma corrente de pensamento, chamada desconstruo,criada para
questionar, a princpio, a lngua e mostrar como no pode haver umsignificado fixo.
Nela o falante individual se d conta de que no pode fixar osignificado em uma forma
A quarta etapa, ainda retomando Hall (1999), seria a do poderdisciplinar, segundo
Foucault (1977), isto , o poder coercitivo do governo, davigilncia, da regulao da
pessoa humana, atravs de instituies que policiam e disciplinamas populaes
modernas, como escolas, prises, hospitais e quartis, porexemplo. Da o paradoxo:
quanto mais organizadas e coletivas fossem tais instituies,maior o isolamento e a
individualizao das pessoas dentro delas. Enfim, a ltima etapateria ocorrido com o
impacto do movimento feminista dos anos 60 e de muitos outros,de mesma estirpe,
como o movimento dos sem-terra ou dos sem-teto, para sermosatuais, que se baseiam
nos objetivos de seus organizadores, dando origem a um amploleque de identidades,
uma para cada movimento.
Questionamos, assim, a idia de que a identidade tenha sidoalguma vez to unificada
ou homognea ou que teria tido uma referncia to certa quantofazem crer as
representaes que dela se fizeram ou que talvez ainda se faam.Por isso mes
uma identidade, assim entendida, no se encontra em declnio; naverdade, nunca
existiu.
diferentes formas de poder, ocorrncias essas que remetem s lutassociais de hoje em
dia (ou de qualquer poca), ao hibridismo, multiplicidade. Nummovimento
ininterrupto, h uma tentativa de uniformizao das culturas, pelafora do mesmo, o
que resulta, invariavelmente, em fracasso, j que a sempre seinstala a fora da
diferena. Entretanto a fora do mesmo se exerce, justamente,sobre as diferenas
econmicas e sociais, pois a idia de jugo, de controle. E nesseespao contraditrio
e multifacetado, pinta-se a fractal face da Amrica, onde sedigladiam as diferenas,
lutando contra o desejo eterno, na impossibilidade mesma de secosturarem numa
trama identitria bem definida, numa grande e nicaidentidade.
Pelo exposto, pode-se ver que a identidade se instaura comoespao movedio. No
um lugar, mas uma transio de lugares. No um nome que designa umobjeto tangvel
e sempre verificvel. uma metfora. Ou seja, na tentativa debuscar fazer um mapa dos
usos do termo, percebemos que se abre o espao do discurso. Tantoassim que a
simples pergunta _Quem voc? possibilita uma narrativa naresposta: _ Nasci em 19...,
em Belo Horizonte. Sou filho/a de fulano e fulana. Sou um poucoinseguro/a
(identidade pessoal), ou uma descrio: _ Sou professor/a,comissrio/a, dentista
dela, a coisa para ser deve ser sempre outra coisa. Nessesentido, a identidade abre seu
lugar no discurso, ela est ali, inserida dentro dele. Dito deoutra forma, a identidade no
uma competncia do ser (que determina as coisas), mas do estar ouestares (que
flexibiliza nomes e coisas no tempo e no espao).
Nessa dimenso, veremos que a questo da identidade campo frtilpara
reconsiderarmos tambm o conceito de nao. Aproveitando
(2000), a idia de nao tal como a conhecemos unidade territorial,poltica e,
juridicamente, independente de 1830. Antes, diz, utilizava
grupos institucionalizados) e ptria (para o que pertencia ao paie estava sob seu
poder). No sculo XVIII, ptria passou forma de Estadoindependente e, em
seguida, introduziu-se o conceito de identidade nacional. Aformao de uma identidade
ou um imaginrio nacional baseia-se, pois, em grande escala, naidia de unidade, idia
corroborada pelos muitos episdios que buscaram ou buscamagregar, em torno do
conceito de nao, povos de diferentes origens, lnguas ou culturas(Movimento
Separatista Basco, Srvia e Montenegro, Blcs etc.), o que vem,paradoxalmente, ao
e de encontro a essa perspectiva do fragmento de que vimosfalando.
identidade nacional. O que h, conforme o autor, uma pluralizaode culturas
nacionais e de identidades nacionais, ou uma transferncia, emque o indivduo que
migra a uma outra casa leva consigo traos das culturas,linguagens, histrias e
tradies particulares. Nesse sentido, nem a nao, nem o indivduo,jamais sero
unificados, pois este no pertence a uma casa em particular, massim tem sido
transportado ou transferido, atravs do mundo, habitando, no
A nao, por sua vez, no pode considerar-se como uma comunidadecom uma base
comum de origem, o que pe em curso o declnio de um antigo,conhecido e codificado
mapa do mundo; simultaneamente, formao de outros, novos.Naes
constante formao/dissoluo, buscam realizar-se em condies semprediversas, de
tal modo que do a impresso do caleidoscpio, numa busca, entreim/possvel e
ir/real, de forma e fisionomia.
A despeito desse af de agregao que move o imaginr
confrontamos os discursos dos pases que compem nosso territrio epensamos as
imagens que latino-americanos brasileiros e hispnicos
poderemos, de antemo, identificar pelo menos uma rasura cabal,in/consci
americanas, como filhas de si mesmas7. Tal situao de paradoxodesencadeia, no
imaginrio latino-americano, uma crise de identidade, umanecessidade de encontrar o
espao. Sem um pai a quem negar, negam-se a si e a seuoposto.
Ao levantarmos essas hipteses, damo-nos conta de que, no cernedas relaes entre
Brasil e Amrica Latina, encontra-se um sentimento dedespertencimento por parte do
Brasil em relao Amrica Latina e um sentimento de rechao daAmrica Latina em
relao ao Brasil. Esse despedaamento termina por revisar aspautas convencionais
de nao e identidade, porque determina, a um s tempo, umdistanciamento e um elo,
movidos pela fragmentao da realidade dos laos ideolgicos que,historicamente,
mantm. Em suma, os discursos culturais dos pases e de seucontinente constroem
por fronteiras fraturadas, incertas e fluidas, e um dos inmerosndices dessa situao
de paradoxo seja, talvez, a ausncia dos brasileiros numaantologia latino
Nesse sentido, no s no se pode falar de uma identidade nacional,como tampouco
se pode pensar em uma Amrica Latina: h inmeras particularidadesque so da
ordem da busca da origem, da histria, da cultura. Entretanto bemverdade que existe
exuberncia e grandeza, a despeito da mistura tnica, social,cultural, econmica...
como se o grande pas tropical, abenoado por Deus e bonito porn
si s, o continente brasileiro. Essa seria, conforme Chau (2000),citando Srgio
Buarque de Holanda, a representao do Brasil, criada peloscolonizadores, em
decorrncia da viso do paraso8, com a qual haveriam deparado pocad
descobrimento. Em outras palavras, segundo a autora, a visoufanstica que o povo
brasileiro possui de si e da nao nasce desse mito fundador daptria, que o
transforma em um semiforo9, integrando a sociedade emantendo
Como bem mostra a autora, contraditrio que uma sociedade quepermite
discriminao social e econmica, que produz esteretipos como o daburrice
portuguesa, o da natural inferioridade feminina ou o do machismolatino, renove seu
mito fundador e tenha de si e da nao uma imagem positiva.
Nessa dimenso, a despeito da mobilidade das fronteiras sociais,polticas, econmicas,
sociais, culturais... e a despeito da ambgua construo identitriado pas e da regio,
entendemos que essa contraditria imagem se alarga.
evidente e ambgua relao entre o Brasil e a imagem de nao
ambigidade desse semiforo toma vulto, se pensarmos outroparadoxo inevitvel: de
um lado, seu difcil ingresso nesse mesmo continente, por servisto pelas
que o integram com mais representao e pujana; e, por outro,tambm
contraditoriamente, essa imagem da nao-continente devolve, numreflexo invertido,
uma imagem vilipendiada, que lhe custa o seu rechao. Da osentido da complexidade
do que aqui se tenta discutir.
Pois bem, os demais pases latino-americanos funcionariam comouma anttese frente a
uma suposta totalidade que os parece ameaar. O Brasil, por suavez, assumindo o
semiforo, assumir-se-ia tambm como o primeiro entre os dem
estar, geograficamente, entre outros territrios, menores,fixaria, ento, uma identidade
da ordem da pujana, entretanto rechaada. A imagem de poder edomnio que da
derivaria contrasta, ento, com um sentimento de des/perte
polticos ou econmicos, j que se enquadraria, nesse mbito, comoos demais, entre
os perifricos, mas no sentido de que as outras naes, ao sequestionarem sobre esse
estatuto nacional, negam o outro sujeito latino-americano.
subtradas de sua prpria substncia, tais naes, por imaginaremeste Outro como
Essa leitura comprova as ambigidades inerentes s naes e noesidentitrias. Se,
por um lado, o sujeito latino-americano, seja brasileiro ouhispnico, ilustraria a
vitimizao, por outro, capaz de negociar suas prprias margens,ampliando esses
espaos e sua noo simtrica de centro e periferia. Naes eidentidades mveis, sendo
uma construo, primeiro da ordem do imaginrio, depois, poltica e,enfim, discursiva,
estabelecem novos espaos, construindo-se na intensa hermenuticado intercmbio: s
definies dominantes seguem as redefinies minoritrias.
Duas teses respondem a essa situao. Na primeira, afirma
diferenas exacerba a busca por unidade, excluindo de umdeterminado todo, aquilo que
o possa des/conformar e pr em risco a noo de uma identidade e deuma unidade
nacional. Por isso mesmo, no deixa de ter sua fora a segundatese, segundo a qual se
assegura que as naes se constroem, evidentemente, na diversidade(seja tnica,
cultural...). Da o paradoxo de se proteger uma identidade e umanao unas,
recorrendo negao do diferente, daquele que possa destitu
identidade. Ou seja, a nica possibilidade que teriam depreservar sua diferena negar
o diferente que de si tambm faz parte. Tanto que se pode
porque ele estabelece, desde esse ponto de vista, uma identidadeque consegue afirmar
se, pela diferena, frente a Portugal. Vejamos que, no casohispnico, h, sim, uma
ligao mais profunda das culturas at mesmo a partir do nome, daorigem da
denominao: hispnico est na raiz da outra, Espanha. No que dizrespeito a
Brasil/Portugal, ou brasileiro/portugus, no h relao semnticadireta e substancial
entre os termos. No se trata, logicamente, de uma tentativa deuniformizao pela
lngua. Nessas consideraes, o que se quer ressaltar a diferenasimtrica de ambos
os casos, naquilo que possam coincidir, pois naquilo em quecoincidem est o paradoxo:
em primeiro lugar, o Outro (a nao-continente Brasil) se impe aum sujeito ameaado e
inquietado (os outros pases latino-americanos) pela supostadominao, nos termos de
uma representao de poder, dada por sua imagem de inteireza, denao
mesmo, por seus atributivos, Brasil/brasileiro; em segundolugar, o Outro (a nao
continente) modelo de nao e identidade apreciadas e invejadas,que se fazem valer
pela diferena e que, por isso mesmo, precisam ser negadas.Dcadas de relaes
desiguais e injustas distorcem as representaes de naes econtinente, cujas fronteiras
abrem novos espaos de transio e transformao, num territrioocupado por todas as
mediaes, dominantes ou marginais, cuja construo termina por serum discurso
detivermos, em torno a esses novos discursos dos excludos
relao ao Brasil, da Amrica Latina, onde nos inclumos, em relaoEuropa e dos
nossos prprios em relao Amrica, reativamos nossa capacidademetafrica e
fragmentamos a idia de identidade e nao. Nosso sculo, marcadopelas demandas de
flexibilizao de fronteiras econmicas, polticas e culturais,apesar da simplificao
introduzida pelo projeto da globalizao, faz com que o prpriotermo nao,
semelhana do que ocorre com a suposta referncia certa daidentidade, parea
despenhar-se e em seu lugar insurgem ghettos, tribos,sociedades, culturas,
representantes simblicos mas nunca totalizadores.
No discurso contemporneo, nao e identidade relativizam
para sempre, mas vrias construdas ou escolhidas, infligidas
ou perseguidas. A nao fragmentada ou a identidade permutantemanifestam
vrias, longe do discurso humanista de uma unidade fundamental,revelando
mais complexas, j que no baseadas na semelhana mas naalterida
1991). O continente e o indivduo, entre vrias identidadesoperativas, seja a tnica ou
profissional, poltica ou sexual, lingstica ou urbana,expandem
Assim, nao e identidade deslocam, incessantes, os significadosque as constituem,
reiterando a transposio de sentidos, tempos e espaos. O espao dote
relao com o espao geogrfico, manifesta-se na fragmentariedade defalas e vozes,
assim como a do imaginrio constituinte de um territrio em suamltipla discursividade.
A Amrica Latina e a cultura latino-americana, nesse universomultidimensio
integraes supranacionais, apresentam as condies de desencadearquestes que
destroem seus prprios limites frente a novas redes doplaneta.
2.2 Limiares da in/excluso
Este segundo tpico, da primeira parte da tese, buscar revisitaro
conceito de excluso e estudar as relaes entre tal conceito eas
antologias Gerao 90 - manuscritos de computador
Nelson de Oliveira e Antologa del cuento latinoamericano
de Julio Ortega.
A excluso social uma questo poltica. H muitos tipos de excluso,todos estamos
excludos de algo. Etnias inteiras esto impossibilitadas deencontrarem seu caminho e
viverem alimentadas, vestidas e saudveis. O preso est excludo davida fora do
presdio, enquanto, e, ao mesmo tempo, a maioria da populao, ereferimo
especificamente, latino-americana, est excluda do direito aocio, ao lazer ou
educao. O desempregado est excludo do trabalho, mas otrabalhador tambm est
sujeito a muitas excluses. Excluses que se refletem na baixaqualidade do seu
trabalho, na falta de voz, no desrespeito a seus direitos comopessoa e cidado... Para
que a noo de excluso ajude nossa anlise dos fenmenos sociaise,
particularmente, dos temas de identidade, desigualdade oumarg
Literatura, sua discusso deve trazer uma nova perspectiva, umnovo entendimento.
Vemos dois aspectos bsicos na noo de excluso, freqentementedesapercebidos,
mas particularmente teis. O primeiro aquele que une dimensesdistintas da
desvantagem, que, de alguma forma, no deixam de relacionar
econmica, que exclui os indivduos dos bens, dos servios bsicos,da terra, do
mecanismos, em particular, que atuariam como foras de(des)igualizao. Dois deles
classificados como econmicos, oportunidade e produtividade d
que estaria sob o domnio da poltica, medidas e instituiessustentadas pelo poder
estatal, e o quarto um mecanismo sociocultural, isto , acomunicao, operando
atravs da dissuaso de identidades e valores. Ou seja, essesm
globalizao, envolvem estruturas de oportunidades mais amplas ede comunicao
extensas, e, paradoxalmente, relacionam-se com a desigualdade,pois, lgico, atuam
de modo diferente ao longo do eixo in/excluso. Ou seja, agloba
encarada como a possibilidade da distribuio des/igual derecursos, direitos e
ideologias, isto , simultaneamente, pode ser um aspectoin/excludente do sistema
social, com efeitos mltiplos sobre a desigualdade, difceis deserem delimit
Tambm para Jos Mara Gmez (1999, p.128-179), a globalizao deveser
equacionada como uma mistura de processos contraditrios,produtores de conflitos e
novas formas de poder, cuja vertente negativa estaria em ampliaro fosso entre
excludos e includos e engrossar o fenmeno da excluso social eespacial. Tendo
afirma Therborn (1999, p.91), a histria moderna da economiamundial atesta uma
diversidade de trajetrias e resultados, incluindo fortestendncias polarizantes. Ainda,
nas palavras do autor: Globalizao no significa necessariamenteintegrao global.
Pode tambm significar polarizao global. (THERBORN, 1999, p.91).Cremos que a
leitura sociolgica do conceito de globalizao, desigualdade eexcluso, tanto de
Therborn como de Jos Mara Gmez, sustenta nossa ab
medida em que podemos, sim, tomar a globalizao no s comoprocesso de
comunicao interativa, em princpio democrtica, mas,contraditoriamente, como a
globalizao de novas formas de estratificao, passando pelosvariados mapas
desigualdades, pelas diversas formas de excluso, pelafragmentao, enfim.
O segundo aspecto a se acentuar a idia de processo, ou seja, aexcluso como
resultado de processos sociais que impedem o acesso aos benssocioeconmicos e
que permitem a interveno de grupos sociais que excluem o Outro.Isto , a
excluso, por sua natureza relativa, um processo e no uma condio,no sentido de
que, dependente de juzos de valor, isto , dependente do olhar doOutro,
sentido, a excluso processo paradoxal e traria em si umadificuldade maior de
reintegrao. Para analisar, pois, a relao entre a Literatura e aexcluso social, o
ponto de partida parece-nos que deve ser no a excluso, mas aincluso, an
interconexo entre os dois conceitos: in/excluso.
No h sentido em se falar de excluso sem considerar o significadoda integrao. E
mais, no evidente que a incluso seja alguma coisa indispensvel,impretervel ou
mesmo desejvel. Depender dos termos dessa incluso, da naturezada sociedade, de
sua ideologia e estrutura.
A sociedade, ao delegar papis aos cidados, procura de algum modorestringir sua
conduta e cercear suas possibilidades. Espera-se, assim, que umprofessor, um
mdico, um escritor cumpram o seu papel social. Conforme ThomasSzasz (1980,
p.192), as pessoas podem ser restringidas de dois modos bsicos:fisicamente,
confinando-as em celas, hospitais psiquitricos e assim pordiante; e simbolicamente,
confinando-as em ocupaes sociais. Parece-nos que, na verdade,essa restrio
A essa altura, faz-se necessrio refletirmos um pouco mais sobrea relao entre a
excluso social na Amrica Latina e a excluso da prpria AmricaLatina, no contexto
mundial. Vimos que a excluso, como processo, impede o acesso degrupos ou
indivduos a posies que lhes permitiriam uma existncia digna eautnoma, dentro
dos padres sociais, determinados por instituies e valoresinseridos na sociedade.
Mas no h como impedir uma reao a esse estado de coisas que fazcom que os
limites da in/excluso mantenham-se sempre mveis. Assim, excludose includos
revezam-se nesse processo, ao longo do tempo, dependendo dasprticas ou polticas
socioculturais da sociedade em que esto inseridos, ainda que umadas caractersticas
primaciais da excluso social seja, justamente, a dificuldade dereintegrao.
O espao brasileiro e latino-americano, como um todo, possui umacosmoviso cuja
raiz o identifica como espao espoliado. Essa espoliao mostra umasrie de
sintomas, presentes nos textos: quadros de carncia, indivduosm
adultos alijados da ordem social. Quadros que expressam adilatao de uma doena
moral e/ou social que evolui, faz-se visvel, principalmente, nosgrandes centros
urbanos, engrossando o grupo de excludos, incrementando ofenmeno da
democracia social. Digamos, ainda, que poltica democrtica seriaaquela com ampla
representao do indivduo e exercitada em ambiente de liberdade, eque sociedade
democrtica seria aquela em que as desigualdades (sociais,econmicas, culturais,
educacionais, regionais etc.) so reduzidas e na qual h uma amplamobilidade das
fronteiras sociais ou territoriais. Suponhamos, ainda, que
excluso da Amrica Latina seja, a princpio, um processo dereleg
de desvaloriz-la no quadro geral das naes.
Entretanto, partindo dessas suposies, que parecem ser a verdadena qual se
acredita em menor ou maior escala, mas tomando como referncia aproduo literria
dos ltimos anos, h que se dizer que, em tese, dela emerge umaespcie de produo
de identidade como processo consciente e no mais algo que pareahaver
acidentalmente, nos textos. E, se assim o , essa produo deidentidade, como
processo consciente, teria sofrido alteraes, a partir dos ltimosanos do sculo XX,
como defesa ante a padronizao mundial, ante os esteretipos quese lanam sobre a
Amrica. O territrio fsico, aquele todo do qual falvamos, que pormuitos anos se
excluso, de uma irrelevncia, construda na ordem do imaginrio,que se contrape a
uma reao, a um desejo manifesto de rivalizarmos e sermosimaginados, ou sermos
vistos, ou reconhecidos tambm como Primeiros. Todos essesmovimentos acabam
por dar a iluso do esttico; iluso, posto que a vontade sempremobilizou a cultura
latino-americana. Ou seja, paradoxalmente, essa irrelevncia quenos d espao para
a resistncia e a sobrepujana. Pensemos, por um lado, nainstabilidade militar e
poltica dos pases andinos, por exemplo, nos distrbiosfinanceiros e sociais da
Argentina, e, por outro lado, nas incertezas sobre o Mercosul ea ALCA, ou no caos
urbano de nossas grandes cidades. Tudo concorreria para realar,num primeiro
momento, um plano da hegemonia da Amrica do Norte, o poder daUnio Europia, ou
mesmo dos pases asiticos. Em contrapartida, vejam-se os momentosde vitria dos
nossos pases: desde o xito do modelo econmico chileno, passandopelo livre
comrcio entre Mxico e EE.UU., a virada de mesa da Argentina e atmesmo o
domnio do futebol brasileiro. Em cada um desses episdiosvitoriosos, nossos pases
se apresentariam como partcipes de um Primeiro Mundo. Existe,sim, em cada uma
das referidas situaes, aquele toque de narcisismo e arrognciatpicos dos que detm
o poder. Ou seja, foras contraditrias ou movimentos paradoxaisde in/excluso
De maneira que essas necessidades reacionrias nos dariamconscincia de nosso
terceiromundismo, o que , paradoxalmente, frutfero eenriquecedor, j que funciona
como um impulso secreto de sermos imaginados, vistos, reco
considerados os primeiros, destacando-nos do resto. Impulso que,se por um lado,
funciona como motor, por outro e ao mesmo tempo, representa,contraditoriamente, um
lastro ideolgico que arrastamos sem descanso. Entretanto, essemesm
terceiromundismo resulta tambm do fato de imaginarmos como oOutro nos
imagina; e, em se tratando de Europa ou EE.UU., ns os terceirosdo Ocidente os
invejamos em seu jogo de represso. Essa a tenso que pareceemergir de nossa
produo literria representaes no do fim mas da relativizao de umaera
traumtica de excluso da Amrica Latina, ou seja, de processos queconfiguram o
paradoxo nas relaes de poder e subjugo.
No Brasil, da mesma forma, vemos uma reiterada exposio de umasitua
desmedida, atravs da nfase na dificuldade de determinar a prpriadimenso da
in/excluso, a partir da insero brasileira num territrio global,marcado por uma
instabilidade sistmica. Os traos mais caractersticos dessa praxede resistncia
criao verbal estimulada ou impulsionada pela ao/rea
marginalizao, da represso e, em decorrncia, da violncia,buscando verificar, nesse
contexto, como os in/excludos, em seu cotidiano, so re
latino-americana do fim/incio do sculo/milnio; uma po
tomar essas narrativas como construtoras de espaos, ou, na acepode De Certeau,
como lugares praticados (1999, p.202)10 a traduzirem amultidimensionalidade dos
fenmenos sociais, a estabelecerem a mobilidade dasfronteiras
imagens caleidoscpicas e paradoxais de um territrio latino
com o contexto da globalizao.
Assim, narrativas que dem enfoque a setores marginalizados nosajudaro a
aprofundar-nos no universo enunciativo da in/excluso e dasformas de que se reveste,
no interminvel jogo de relaes entre a fico e a realidade, aHistria e a histria
Da o sentido da escolha de narrativas que demonstrem processosin/excludentes de
tomada ou de negao do poder: loucos, dissidentes, alijados,delinqentes,
desempregados, confinados em sua condio, em um jogo de exclusoe/ou de
resistncia.
contemporaneidade, na e sobre a Amrica Latina. Foi quandopercebemos que no
poderamos tratar a temtica aqui proposta, apenas sob o pontod
como sempre a havamos entendido. Atravs do conto contemporneo,comeamos a
perceber que um outro panorama da Literatura latino-americanaatual parecia se estar
esboando. Muito nos custou selecion-los, tal a variedade ecomplexidade
questionamentos. Mas, se no possvel falarmos de um acesso doconto ao real,
pelo menos podemos afirmar que o gnero delineia um esboo doreal. Referimo
a esboo, como sonho, conforme Piglia (2004, pp.44
qualquer outro discurso, o conto, microscpica mquina narrativa,na acepo de
Piglia, captura retratos/leitura do real, evidenciando o jogoverdade/fantasia que
permeia todo e qualquer texto. Os cultivadores desse gnero, essemosaico de
escritores, preocupam-se no s com o real, mas com a forma pelaqual tentam
esbo-lo e, assim, com alguma interseo na postura literria, masto diversos
quanto s narrativas e aos espaos que representam, conformam asantologias.
Diversidade esta que parece mesmo ser a protena condutora.
As antologias excluem, mas deixam textos mltiplos a indiciar oslugares de enunciao
2.3 Ir/realidades e re-a-presentaes
Este terceiro tpico, da primeira parte da tese, retomar a questodo
interminvel jogo de relaes entre a fico e a realidade, a histriae
a Histria, para revisar tais relaes na leitura dos contosselecionados
de Gerao 90 manuscritos de computador os melhores contistas
brasileiros surgidos no final do sculo XX e Antologa d
latinoamericano del siglo XXI las horas y las hordas
A linguagem e a vida so uma coisa s.
oportuno, a essa altura, refletir sobre as relaes entre fico erealidade, histria e
Histria e suas ligaes com nossa pesquisa, o que, entretanto,implica que no
pretendemos e, nem poderamos dar conta, exaustivamente, de seusaspectos
virtude da variedade de estudos crticos acerca de fico erealidade ou Literatura e
Os discursos literrio e histrico tm tido um relacionamentoconflituoso desde os
clssicos, quando Aristteles (1996, p.39), comparando amatria
a do poeta, ao mesmo tempo em que os tomava como histria,paradoxalmente j se
empenhava em situar fronteiras entre um e outro, pontuando queNo em metrificar
ou no que diferem o historiador e o poeta; a obra de Herdotopodia ser metrificada;
no seria menos uma histria com o metro do que sem ele; adiferena est em que um
narra acontecimentos e o outro, fatos que podiam acontecer.
No sculo XVI, Miguel de Cervantes (1547-1616), tamb
relao entre tais discursos, assim se posiciona:
Una cosa es escribir como poeta, otra como historiador: el poetapuede contar o cantar las cosas no como fueron, sino como deberanhaber sido, mientras que el historiador debe relatarlas no comodeberan haber sido sino como fueron, sin aadir o restar lo que seade la verdad. XVIII)
Pelo exposto, a idia presente a de que a Literatura pode serlida como uma realidade
mentirosa, sem a obrigao de associ-la a uma realidadeverdadeira.
XVIII, a mesma idia se mantm. Surgem a Histria, disciplina, e otermo romance.
Percebemos, pois, um dos problemas e aproximaes nas relaes
discursos: o modo como se narra. Tanto assim que, no incio doverbete da
Enciclopdia, Voltaire definiu a Histria como relato. Nessesentido, no mnimo
paradoxal que, a partir do sculo XVIII, especialmente na Frana,comece a existir
preocupao em definir Histria para alm de uma estruturanarrativa, contrapondo
fbula (ou fico) e vendo, na Histria, a verdade e, na fbula, amentira.
1994; MIGNOLO, 1993)
Mais adiante, o sculo XIX iria marcar-se pela crise soci
capitalista excludente, em vigor, e pelos desgnios da cinciapositivista
sentido, o sculo XIX, no por mera coincidncia, de sumaimportncia para a
compreenso da tendncia realista na Literatura contempornea.As
discursivas, poca, passam a se manifestar pela preocupao com overossmil e/ou
pelo desejo de imparcialidade. Sejam elas histricas ouliterrias, as narrativas, tendo
como base o cientificismo e a objetividade da filosofiapositiva
discurso determinista, isto , submetido a leis imutveis etentam, em vo, construir
uma narrativa neutra, documental e verdadeira16.
Imersa nesse controvertido e vasto repertrio conceitual, acrtica especializada, desde
Aristteles, no deixou de discutir a complexa e imprecisa
realidade. Assim que, no sculo XX, sobretudo nas ltimas trsdcadas, Literatura e
Histria, fundadas nesse campo epistemolgico, ganham maisconsideraes e as
ambigidades se avultam.
Todorov (1971, p.212) ir revelar sua hesitao: Como isolar odomnio do que
propriamente literrio, deixando psicologia e histria o que lhespertence? No que
se refere narrativa literria opina que ela histria, no sentidoem que evoca uma
certa realidade, acontecimentos que teriam ocorrido, personagensque, des
vista, se confundem com os da vida real. Acrescenta que, aomesmo tempo em que a
obra literria Histria, ela discurso, pois existe um narrador querelata a histria; h
diante dele um leitor que a percebe e que neste nvel no so osacontecimentos
relatados que contam mas a maneira pela qual o narrador nos fezconhec
(TODOROV, 1971, p. 213-214), o que nos parece o apropriado. Damesma forma,
referindo-se Histria, afirma que esta uma conveno, isto , noexiste ao nvel
dos prprios acontecimentos. Para o autor, a Histria seria umaabstrao pois ela
Conforme Todorov (1971), o objetivo da Histria, o fato histrico,acontecido
precisamente num determinado tempo e lugar. De modo que aHistria no pode fugir
[do fato histrico] e a ele se dirige atravs dos documentosescritos e monumentais, os
vrios testemunhos da ao humana atravs dos tempos e lugares. ,portanto, uma
cincia [...] (TODOROV, 1971, p.215).
Portanto, com base no que vimos, vrias vezes confirma-
presente na impossibilidade de delimitar fronteiras entre osdiscursos, de maneira que,
pisando terreno to movedio, s podem mesmo teimar em surgir umsem nmero de
dvidas e paradoxos. Devemos salientar, pois, que o narrar fatosverdadeiros necessita
da definio de verdade, porm a verdade se mostra multifacetada.Vale lembrar
Foucault (1999) para quem a verdade de um fato no existe em si;todas as
interpretaes j so criaes, no havendo, pois, uma nica realidadedos eventos, ou
dos discursos, certa e imparcial.
Nesse caminho, quando se faz referncia mimesis em Literatura,Pa
p.90) argumenta que se tende a traduzi-la como imitao no sentidode cpia de algum
concebemos neste trabalho, isto , pela ausncia do mimtico,enfim, pela cons
de superao de uma verdade ou realismo absoluto. Da mesma forma afotografia,
supondo a exatido de um instante, por um lado, varia conforme acena, o
enquadramento, a luz e/ou o foco, e, por outro, presta-se a umaamplitude de re
presentaes, possibilitadas pelas modernas tcnicas de manipulaode imagens que
abandonam, completamente, o discurso fotogrfico, baseado nacaptao de imagens
reais. A Histria e a Literatura so mais uma entre as opes quepodem dar sentido
realidade, mediatizada, no caso, pela produo discursiva. Ouseja, apoiadas sobre
seus mtodos, mas, como discursos que so, apresentam, atravs daescrita, a
narrao de um acontecimento, a partir de um ponto de vista.Assim, ainda que um
acontecimento narrado permanea o mesmo acontecimento, ele nuncaseria a mesma
coisa, independentemente do tipo de narrativa que ore-a-presenta.
Fato que o termo representao se afeta por uma certa polissemia,que remonta s
reflexes aristotlicas, em que a referncia mimesis, como imitao,exige distino
entre o modo de representao dramtica (a tragdia, por exemplo) eum modo de
representao narrativa (a epopia). Entretanto a representao deveser entendida em
do verdadeiro (WHITE, 1994, p.115), deveramos atender a seucarter fragmentrio,
dada a multiplicidade de leituras da realidade que taisdiscursos so capazes de
proporcionar. A concepo do fragmento ou da multiplicidade podeser sentida,
do que at o momento foi exposto. Nesse vasto caleidoscpio deambigidades e
correlaes, parece mesmo inevitvel que se enfrentassem e seenfrentem dificuldades
na consolidao de limites entre os discursos e, por isso mesmo,modestamente,
gostaramos de pensar que, em vez de tentar delimitar fronteiras,o que importa no
deixar de discutir como a Literatura se relaciona com arealidade,
com o contexto histrico, no qual se formula, e que funo social,n
cumpre na sociedade qual apela.
Para tanto, preferimos nos valer das formulaes de Hayden White(1994) que,
comparando Histria (ou realidade) e Literatura (ou fico), embaouseus limites, ao
propor que os trpicos discursivos de ambas so os mesmos. Assim,a Histria em
White foi vista, sobretudo, como narrao (cf. VOLTAIRE,
nenhuma narrao, como dissemos, reproduz o que realmenteaconteceu, mas to
somente o representa de um ponto de vista particular.
de discursos narrativos, de uma realidade objetiva. Por maisficcional que possa ser o
texto histrico, sua pretenso ser uma representao da realidade,diria Ricoeur (1994,
p.88), e o mesmo se aplica do texto literrio. Desse modo, adiscusso sobre o que
Histria e o que Fico se apequena, no primacial; ao contrrio,diversos discursos
de natureza factual ou ficcional complementam-se com o objetivode representar, cada
um de acordo com seus cdigos, a realidade manifesta. Nessesentido, se a Literatura
pertence categoria do discurso relativo ao imaginado e a Histriado discurso
baseado no real, no importa tanto, mas a escrita, presente emambas, que d
significado aos acontecimentos. Estes so reais no porqueaconteceram, mas porque
so lembrados e representados, por diferentes olhares, atravs dediferentes narrativas.
Assim, as possibilidades disponveis de explorao dosacontecimentos so infinitas.
Cada fato representado segundo uma perspectiva. O ponto de vistaest sempre
presente e assim, conforme Foucault, no h nenhum discurso,nenhuma representao
especfica, cientfica ou no, capaz de explic-los ou traduzi
considerada como possvel e verdadeira. A verdade plural e asnarrativas, literrias ou
histricas, so discursos polissmicos, abertos a novos olhares e,sobre os quais, so
reescritos outros, sempre provisrios, em uma cadeia infinita, oque no nos impede,
interior do contexto sociocultural. Acreditamos que todadiscusso acerca das
(H)histrias, desde Aristteles, j mencionado, apenas serve paracomprovarmos que
os fatos histricos carregam marcas do imaginrio e os fatosficcionais possuem
plausibilidade histrica. Entretanto, atendendo s
FAQs
What is the ranking of Pontifical Catholic University of Minas Gerais? ›
Rankings & ratings
Pontifícia Universidade Católica do Minas Gerais is one of the top private universities in Belo Horizonte, Brazil. It is ranked #1401+ in QS World University Rankings 2023.
It is ranked #1201-1400 in QS World University Rankings 2023.
What is PUC Rio ranked in QS? ›University Rankings and Student Reviews
The rating for universities is only calculated after we have collected at least 10 ratings. Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro (PUC-Rio) is ranked 601 in QS World University Rankings by TopUniversities.
Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro, commonly known as PUC-Rio, is a private non-profit Catholic University created in 1941 with the mission of producing and transmitting knowledge based on humanistic values and Christian ethics.
What is the number one Catholic university in America? ›Georgetown University
#1 Best Catholic Colleges in America.
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Length | 459 feet (140 m) |
Width | 240 feet (73 m) |
Nave width | 157 feet (48 m) |
Height | 329 feet (100 m) |
Dalhousie University is ranked #314 in Best Global Universities. Schools are ranked according to their performance across a set of widely accepted indicators of excellence.
How good is Pacific University? ›Pacific University's ranking in the 2022-2023 edition of Best Colleges is National Universities, #194. Its tuition and fees are $52,072. Pacific University is a private institution that was founded in 1849. It has a total undergraduate enrollment of 1,741 (fall 2021), and the setting is Suburban.
How many Catholic universities are there in the United States? ›
Diverse Education
If you decide to study at a Catholic college or university in the US, you will have a diverse array of schools from which to choose. In the US, over 720,000 students attend 221 Catholic colleges and universities.
Founded in 1887 by Catholic bishops, CUA is not only a pontifical institution but one of the most prestigious liberal arts colleges in the United States.
What is the average GPA for Catholic university? ›Average GPA: 3.46
The average GPA at Catholic University of America is 3.46. (Most schools use a weighted GPA out of 4.0, though some report an unweighted GPA.
DePaul University, the largest Catholic university in the U.S., now allows students to self-select their preferred gender identity on the school's online resource portal.
Does Catholic university have a good reputation? ›The University also ranked No. 87 out of 191 national universities for the best value. U.S. News & World Report also salutes Catholic University (overall rank: #176) elsewhere on its lists for Best Value Colleges, Best Colleges for Veterans, and Top Performers on Social Mobility.